Lei n.º 4/84 de 5 de Abril - Protecção da maternidade e da paternidade

 

Lei nº 4/84 de 5 de Abril

Protecção da maternidade e da paternidade

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164º, alínea d), e 169º, nº 2, da Constituição, o seguinte:

Capítulo I Princípios gerais

Artigo 1º (Paternidade e maternidade)

1. A Maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.

2. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação ao filho, nomeadamente quanto à sua educação.

Artigo 2º (Igualdade dos pais)

1. São garantidas aos pais, em condições de igualdade, a realização profissional e a participação na vida cívica do País.

2. Os pais são iguais em direitos e deveres quanto à manutenção e educação dos filhos.

3. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial.

4. São garantidas às mães direitos especiais relacionados com o ciclo biológico da maternidade.

Artigo 3º (Dever de informar sobre o regime de protecção da maternidade e paternidade)

1. Incumbe ao estado o dever de informar e divulgar conhecimentos úteis referentes aos direitos das mulheres grávidas, dos nascituros, das crianças e dos pais, designadamente através da utilização dos meios de comunicação social e da elaboração e difusão gratuita da adequada documentação.

2. A informação prestada nos termos do número anterior deve procurar consciencializar e responsabilizar os progenitores, sem distinção, pelos cuidados e pela educação dos filhos, em ordem à defesa da saúde e à criação de condições favoráveis ao pleno desenvolvimento da criança.

Capítulo II Protecção da saúde

Artigo 4º (Direito a assistência médica)

1. É assegurado à mulher o direito de efectuar gratuitamente as consultas e ainda os exames aconselhados pelo seu médico assistente durante a gravidez, bem como no decurso de 60 dias após o parto.

2. O internamento durante o período referido no número anterior é gratuito.

3. No decurso do período de gravidez, e em função desta, serão igualmente assegurados ao outro progenitor os exames considerados indispensáveis pelo médico assistente da grávida.

Artigo 5º (Incumbências dos centros de saúde)

Incumbe aos centros de saúde, relativamente à mulher grávida, sem encargos para esta:

1. Promover a realização das análises necessárias;

2. Proceder ao rastreio de situação de alto risco e à prevenção da paternidade;

3. Assegurar transporte de grávidas e recém- nascidos em situação de risco, com utilização de meios próprios ou em colaboração com o serviço de emergência médica, as corporações de bombeiros, outras associações humanitárias ou instituições particulares de solidariedade social que possuam serviço de transporte por ambulância;

4. Desenvolver, em cooperação com as escolas, autarquias locais e outras entidades públicas e privadas e privadas, acções de informação e esclarecimento sobre a importância do planeamento familiar, da vigilância médica periódica, da preparação para o parto, do parto assistido, das vantagens da amamentação materna e dos cuidados com o recém nascido.

Artigo 6º (Protecção da criança)

1. Durante o primeiro ano de vida a criança será submetida, gratuitamente, ao mínimo de 9 exames médicos, escalonados segundo prescrição médica, de acordo com a sua saúde e o seu estado de desenvolvimento.

2. Serão igualmente ministradas à criança as vacinas recomendadas pelos competentes serviços centrais do sector da saúde.

Artigo 7º (Incumbências especiais do Estado)

Incumbe especialmente ao Estado para a protecção da maternidade, da paternidade, do nasciturno e da criança, no domínio dos cuidados de saúde:

1. Organizar um sistema o mais possível descentralizado de serviços de consulta sobre planeamento familiar e de informação e apoio pré-conceptivo e contraceptivo ;

2. Dotar os centros de saúde dos meios humanos e técnicos necessários a uma assistência materno - infantil eficaz;

3. Generalizar e uniformizar a utilização por todos os serviços de fichas de saúde normalizadas, bem como o preenchimento sistemático do boletim de saúde da grávida e do boletim de saúde infantil;

4. Incentivar o recurso aos métodos de preparação para o parto, assegurando as condições necessárias ao pleno exercício dos direitos do casal nos serviços públicos de saúde;

5. Incrementar o parto hospitalar, garantindo a duração do internamento pelo período adequado a cada caso;

6. Implementar uma adequada e descentralizada rede de assistência materno-infantil, designadamente de maternidades dotadas de meios humanos e técnicos que possibilitem uma assistência eficaz à grávida e ao recém-nascido;

7. Promover e incrementar a visitação domiciliária á grávida ou puérpera, assim como ao filho até aos 90 dias de idade, em caso de impedimento de deslocação aos serviços de saúde ou com a finalidade de desenvolver a educação para a saúde;

8. Articular a criação de uma rede nacional de creches, jardins-de-infância e parques infantis, condicionado às necessidades delas decorrentes a aprovação de planos de urbanização, de loteamento de terrenos e de projectos de construção de conjuntos imobiliários, bem como a política de crédito à construção, nomeadamente de unidades fabris, por forma a conciliar o trabalho dos pais com o exercício dos deveres da maternidade e da paternidade;

9. Apoiar as associações de pais de crianças deficientes e os pais de deficientes profundos;

10. Introduzir no regime legal de produção, comercialização e publicidade de produtos dietéticos para as crianças menores de 12 meses as adaptações necessárias ao incremento da amamentação materna;

11. Proceder à adequada reformulação dos currículos de obstetrícia relativos a médicos, enfermeiros e restantes profissionais de saúde;

12. Difundir, nomeadamente através da escola e dos órgãos de comunicação social do sector público, as informações e conhecimentos úteis a que se refere o nº 1 do artigo 3º, bem como sobre a higiene alimentar da criança, e, em geral, sobre as normas a observar para a defesa da saúde e do seu pleno desenvolvimento.

Capítulo III Protecção ao trabalho

Artigo 8º (Âmbito de aplicação)

O disposto no presente capítulo aplica-se aos trabalhadores abrangidos pelo regime do contrato individual de trabalho, incluindo os trabalhadores agrícolas e do serviço doméstico, bem como os trabalhadores da administração pública central, regional e local, dos institutos públicos, dos serviços públicos com autonomia administrativa e financeira e das demais pessoas colectivas de direito público, qualquer que seja o vínculo.

Artigo 9º (Direito da mulher à dispensa de trabalho)

As mulheres abrangidas pelo disposto no presente capítulo tem direito a uma licença por maternidade de 90 dias, 60 dos quais necessariamente a seguir ao parto, podendo os restantes 30 ser gozados, total ou parcialmente, antes ou depois do parto. A título excepcional, por incapacidade física e psíquica da mãe, devidamente comprovada por atestado médico e enquanto esta se mantiver, os últimos 30 ou 60 dias de licença de maternidade não imediatamente subsequentes ao parto poderão ser gozados pelo pai. Em caso de situações de risco clínico que imponham o internamento hospitalar, o período de licença anterior ao parto poderá ser acrescido de mais 30 dias, sem prejuízo do direito aos 60 dias de licença a seguir ao parto. Em caso de internamento hospitalar da mãe ou da criança durante o período de licença a seguir ao parto, poderá este período ser interrompido, a pedido daquela, pelo tempo de duração do internamento. O período de licença a seguir ao parto de nado-morto, ou aborto, terá a duração mínima de 10 dias e máxima de 30, graduada de acordo com prescrição médica, devidamente documentada, em função das condições de saúde da mãe. Em caso de morte de nado-vivo durante período de licença a seguir ao parto, o mesmo período é reduzido até 10 dias após o falecimento, com a garantia de um período global mínimo de 30 dias a seguir ao parto. Artigo 10º (Direito do pai a dispensa de trabalho)

Se no decurso da licença a seguir ao parto ocorrer a morte da mãe, o pai tem direito a dispensa de trabalho para cuidar do filho, por período àquele a que a mãe ainda teria direito e não inferior a 10 dias. A morte da mãe não trabalhadora durante os 90 dias imediatamente posteriores ao parto confere ao pai do recém- nascido o direito a dispensa de trabalho nos termos referidos no número anterior com as necessárias adaptações. Artigo 11º (Adopção)

Após a declaração para efeitos de adopção de menor de 3 anos feita nos termos do artigo 1º do Decreto- Lei nº 274/80, de 13 de Agosto, o trabalhador ou a trabalhadora que pretende adoptar tem direito a faltar ao trabalho durante 60 dias, para acompanhamento da criança.

Artigo 12º (Dispensas para consultas e amamentação)

As trabalhadoras grávidas têm direito a dispensa de trabalho para se deslocarem a consultas pré- natais pelo tempo e número de vezes necessários e justificados. A mãe que, comprovadamente, amamenta o filho tem direito a ser dispensada em cada dia de trabalho por 2 períodos distintos de duração máxima de uma hora para o cumprimento dessa missão enquanto durar e até o filho perfazer 1 ano. O direito à dispensa do trabalho nos termos do presente artigo efectiva-se sem perda de remuneração e de quaisquer regalias. Artigo 13º (Faltas para assistência a menores doentes)

Os trabalhadores têm direito a faltar ao trabalho, até 30 dias por ano, para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a filhos, adoptados ou a enteados menores de 10 anos. Em caso de hospitalização, o direito a faltar estende-se ao período em que aquela durar, se se tratar de menores de 10 anos, mas não pode ser exercido simultaneamente pelo pai e pela mãe ou equiparados. Artigo 14º (Licença especial para assistência a filhos)

O pai ou a mãe trabalhadores têm direito a interromper a prestação do trabalho pelo período de 6 meses, prorrogáveis até ao limite máximo de 2 anos a iniciar no termo da licença por maternidade, para acompanhamento do filho. O exercício do direito referido no número anterior depende de pré-aviso dirigido àquela entidade patronal até 1 mês do início do período de faltas, não podendo o período referido no número anterior ser interrompido. Artigo15º (Trabalho em tempo parcial e horário flexível)

Os trabalhadores com um ou mais filhos menores de 12 anos têm direito a trabalhar em horário reduzido ou flexível em condições a regulamentar.

Artigo 16º ( Trabalhos proibidos ou condicionados)

A lei definirá os trabalhos proibidos ou condicionados que impliquem riscos efectivos ou potenciais para a função genética da mulher ou do homem, em função do estado dos conhecimentos científicos e técnicos.

Artigo 17º ( Tarefas desaconselháveis)

Durante a gravidez, e até 3 meses após o parto, a trabalhadora tem o direito de não desempenhar tarefas clinicamente desaconselháveis, designadamente tarefas violentas ou consistentes na manipulação de produtos perigosos ou tóxicos ou a exposição a condições ambientais nocivas para a sua saúde, sem prejuízo de não poder recusar-se ao desempenho de tarefas diferentes das habituais, desde que não desaconselháveis. Durante o período de comprovada amamentação e até 1 ano, a trabalhadora tem direito a não desempenhar tarefas que a exponham à absorção de substâncias nocivas excretáveis no leite materno. Os competentes serviços centrais do sector de saúde publicarão e sujeitarão a revisão periódica a lista de produtos perigosos ou tóxicos, bem como as condições ambienciais nocivas para a saúde referidas no número anterior. A trabalhadora grávida é dispensada do cumprimento de obrigações legais e deveres funcionais que impliquem risco para o nascituro. Artigo 18º (Regime das faltas e das dispensas)

As faltas ao trabalho previstas nos artigos 9º, 10º, 11º e 13º não determinam perda de quaisquer direitos, sendo consideradas, para todos os efeitos, como prestação efectiva do trabalho, salvo quanto à remuneração.

Capítulo IV Regimes de segurança e acção social

Artigo 19º ( Subsídio de maternidade ou paternidade)

Durante o gozo das licenças previstas nos artigos 9º, 10º e 11º a trabalhadora ou o trabalhador têm direito:

Quando abrangidos pelo sistema de segurança social, a um subsídio igual à remuneração média considerada para efeitos de cálculo de subsídios de doença; À remuneração, quando abrangidos pelo regime de protecção social, aplicável à função pública. Artigo 20º (Subsídio em caso de assistência a menores doentes)

Em caso de faltas dadas ao abrigo do artigo 13º e quando não houver lugar a remuneração, é atribuído, pelas instituições de segurança social, um subsidio pecuniário, de montante não superior ao subsidio por doença do próprio trabalhador ou trabalhadora, dependente de condição de recursos, e a alargar progressivamente, na medida das possibilidades.

Artigo 21º ( Relevância para acesso a prestações de Segurança Social)

Os períodos de licença referidos no artigo 14º, serão tomados em conta para o cálculo das prestações devidas pelos regimes de protecção social em caso de invalidez ou velhice.

Artigo 22º ( Meios de apoio à infância)

O Estado, em cooperação com as pessoas colectivas de direito público, com as instituições privadas de solidariedade social, organizações de trabalhadores e associações patronais, implementará progressivamente uma rede nacional de equipamentos e serviços de apoio aos trabalhadores com filhos em idade pré- escolar. A rede de equipamentos e serviços prevista no número anterior visa a prestação de serviços em condições que permitam o acesso dos interessados, independentemente da sua condição económica, incluindo, nomeadamente: Estruturas de guarda de crianças, tais como creches, jardins-de-infância, serviços de amas e creches familiares, adequadamente dimensionadas e localizadas, dotadas de meios humanos, técnicos e em geral de condições apropriadas à promoção do desenvolvimento integral da criança; Serviços de apoio domiciliário. 3. Os horários de funcionamento dos equipamentos e serviços previstos nos números anteriores serão compatibilizados com exercício da actividade profissional dos pais.

Capítulo V Disposições finais

Artigo 23º (Outros casos de assistência à família)

Os trabalhadores têm direito a faltar ao trabalho, até 15 dias por ano, quando se trata de prestar assistência inadiável e imprescindível em caso de doença ao cônjuge, ascendentes, descendentes maiores de 10 anos e afins na linha recta.

Artigo 24º (Legislação complementar)

No prazo de 120 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, o Governo aprovará as normas necessárias à sua execução. O Governo legislará nomeadamente sobre a produção, a comercialização e a publicidade de produtos dietéticos para crianças menores de 1 ano, tendo em vista o incremento da amamentação materna. Artigo 25º (Salvaguarda de disposições contratuais mais favoráveis)

O disposto na presente lei não prejudica os direitos emergentes de disposições mais favoráveis constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Artigo 26º (Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no trigésimo dia posterior ao da sua publicação.

Aprovada em 14 de fevereiro de 1984.

O Presidente da Assembleia da República, Manuel Alfredo Tito de Morais.

Promulgada em 20 de Março de 1984.

Publique-se.

O Presidente da República, António Ramalho Eanes.

Referendada em 22 de Março de 1984.

O Primeiro- Ministro, Mário Soares.