São Tomé e Principe


Medo, silêncio e anonimato

Plusnews

Novembro 2006, São Tomé, São Tomé e Principe - Quando, em 2004, Maria* decidiu corajosamente falar com a imprensa, em São Tomé, sobre a sua seropositividade, não tinha idéia de quanto isso seria difícil.

Embora de costas para as câmeras, a sua voz não estava disfarçada e não demorou muito para que as pessoas da sua comunidade a reconhecessem.

“Depois disso, todos souberam que era eu, pelo menos, pensaram que fosse eu”, diz ao PlusNews esta jovem de cerca de 30 anos, na condição de anonimato.

O estigma da seropositividade no pequeno arquipélago de São Tomé e Príncipe é enorme. Não existe nenhuma pessoa vivendo com o vírus que tenha-se declarado publicamente, e os trabalhadores da saúde dizem que o estigma representa um grande desafio para vencer a propagação do vírus.

“Este é o nosso principal problema no momento. Se não começarmos a aceitar a Sida como uma doença como as outras, tornaremos as coisas ainda mais difíceis”, diz a coordenadora do Programa Nacional de São Tomé para o Combate à Sida, a médica Alzira do Rosário.

“As pessoas que infectadas não querem se mostrar, nem mesmo ir ao médico. Mas se elas não forem, podem chegar à fase terminal da doença e ai será tarde demais. Isso torna difícil educar as pessoas e fazê-las mudarem de comportamento”, acrescenta.

Do Rosário tem que levar antiretrovirais para alguns dos seus pacientes que têm receio de irem ao hospital buscar os medicamentos, com medo de serem reconhecidos e, conseqüentemente, marginalizados.

Há esforços em curso para combater o estigma do HIV, com anúncios diários na rádio e televisão do arquipélago com 1.5 por cento de seroprevalência, segundo dados de 2005.

Mas isso ainda não contribuí para mudar as atitudes das pessoas em relação ao vírus.

Maria: “Eu não sei como contar ao meu filho”

“Quando o meu filho nasceu, ele era saudável e gordinho. Mas depois de quase seis meses, ele parou de ganhar peso e apanhou uma grave infecção anal, que não passava. O médico disse que ele devia fazer o teste do HIV. Isto não me preocupou, porque eu só tinha tido um parceiro. Mas o pai dele era marinheiro e tinha outras duas mulheres.

O teste do meu filho foi positivo e o meu também. Eu estava furiosa e chamei o pai dele, mas ele não veio ao hospital. Nós separamo-nos.

Eu perdi muito peso com a preocupação. Mas depois apercebi-me que a preocupação apenas leva a morrer mais cedo.

Um dia, o meu filho estava às portas da morte, tinha um aspecto daquelas pessoas enfermas que aparecem na televisão. O médico começou a dar-lhe antiretrovirais.

Eu contei à minha mãe. Foi difícil para ela, porque as pessoas da sua idade não fazem nenhuma ideia do trauma que a Sida pode trazer, pois no tempo dela não havia isso. Daí para cá, ela comporta-se como se nada de mal estivesse a acontecer comigo ou com o meu filho. Não sei se é porque ela tem receio ou simplesmente não se preocupa.

Eu nunca contei aos meus irmãos. Eles vêem o meu filho a tomar medicamentos, mas pensam que é para a infecção anal. Eles vêem-me saudável. Mas agora comecei a ter problemas de pele, estou a perder peso e a sentir-me cansada e fraca.

Eu nunca sentei para explicar ao meu filho a nossa situação, mas os vizinhos mandam-lhe embora, dizendo “você tem a Sida”, quando ele brinca nos seus quintais. Ele vem para casa e conta-me isso. Ele sabe o que as pessoas lhe estão a dizer, mas não compreende do que se trata.

Eu não sei como é que lhe vou dizer. Ainda é uma criança. Se eu lhe disser que tem HIV, ele vai contar a toda a gente.

Eu tive um namorado, mas com ele eu sempre usava preservativo. As pessoas começaram a falar com ele e ele começou a fazer-me perguntas. Nós acabámos com a relação.

Eu não posso ter um namorado, eu não posso ter filhos. A minha vida está destruída, mas não quero destruir a vida doutra pessoa.

Gostaria de falar com outras pessoas e explicar o que sinto e quem sou.





Identificar e isolar

“O governo deveria fornecer um local para eles (seropositivos), onde eles poderiam morar separados do resto da sociedade”, diz, na capital, um jovem de 27 anos e pai de um filho que não quer ser identificado.

“Se eles não forem separados, então os seus retratos deveriam ser mostrados na televisão para que todos saibam que não devem se envolver com eles. Muitas pessoas seropositivas têm contaminado outras pessoas intencionalmente”, acrescenta.

Outros dizem que os retratos de pessoas vivendo com o HIV deveriam ser mostrados para que eles sejam facilmente identificáveis e que eles não deveriam ser autorizados a trabalhar.

Maria perdeu o emprego como doméstica quando o seu patrão ouviu os boatos de que ela era seropositiva. Sem salário, ela luta para criar os seus dois filhos, um dos quais também seropositivo.

“Alguém contou ao meu patrão que eu tinha a Sida e que eu poderia faze-lo ficar doente contaminando a sua lâmina de barbear ou outra coisa”, diz Maria. “Ele foi para Portugal de férias e quando voltou disse que não precisava mais de uma empregada doméstica. Ele não disse nada mais e não falou do HIV."

A ONG Médicos do Mundo é activa, em São Tomé, oferecendo testagem gratuita, anónima e voluntária, e disseminando informação sobre a doença.

Segundo a sua coordenadora, Manuela Castro, a mensagem demora a atingir a população, estimada em cerca de 160 mil pessoas.

“Há falta de informação e circula muita desinformação”, diz ela. “As pessoas ainda acreditam que pode-se contrair o vírus tocando na pessoa, sendo picado por um mosquito ou usando a mesma sanita que um seropositivo”.

Conversa levanta o astral

Não existe nenhuma organização de apoio às pessoas vivendo com a doença. Do Rosario tentou várias vezes reunir os seus pacientes seropositivos, mas com a excepção de Maria, ninguém comparece.

Maria e o pai de seus filhos se separaram quando ela e o seu filho foram testados HIV+. Ela contou à sua mãe o resultado dos testes, mas elas nunca conversaram sobre o assunto.

Hoje, o seu único apoio vem de Do Rosario, que a trata, e de uma amiga que mora na ilha.

“Eu vou à discotecas, levo uma vida normal, tenho amigos. As vezes bebo cerveja. Não me sinto triste, sou muito forte, muito concentrada. Mas me sinto sozinha”, diz.

“Quando estou de baixo astral, vou conversar com a minha melhor amiga. Ela mora longe, mas, de vez em quando, vou conversar com ela para desabafar. Ela é mais velha do que eu, ela me dá forças”, acrescenta.

O filho seropositivo de Maria tem seis anos, “mas eu quero que sua identidade continue anônima” e está em tratamento antiretroviral. Ele não estuda e tem sido maltratado onde mora; os vizinhos gritam para ele dizendo que tem Sida e mandam-lhe embora dos seus quintais.

Maria sente-se prisioneira da sua situação e quer sair de São Tomé e ir para Angola, onde acha que teria uma vida melhor.

“Eu tenho família em Luanda. Eles não sabem nada sobre mim e ouvi dizer que lá, se você é seropositivo não tem nenhum problema”, diz ela.

“Aqui, eu nunca vou conseguir fazer nada, não posso dar nem um passo”.

*Nome real omitido


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